Melilla, Setembro 2004. No perímetro da cidade alguns africanos tentam saltar a vedação que os separa do sonho europeu, uma noite como tantas outras neste enclave, mas inesquecível para Ibrahim Bertrand. A dor provocada por uma bala de borracha que o atingiu junto ao olho esquerdo, fê-lo esquecer momentaneamente o misto de medo e excitação por pisar, pela oitava vez, solo espanhol.
Ceuta, Setembro 2005. Os subsarianos que tentaram saltar a cerca fronteiriça de Ceuta, viram-se cercados entre balas de borracha disparadas por polícias espanhóis e disparos procedentes da polícia e exército marroquino. De acordo com a Euronews, Espanha e Marrocos trocam acusações quanto às causas da morte dos imigrantes ilegais. “Madrid afirma que as autópsias feitas aos mortos do lado espanhol da fronteira revelaram ferimentos com bala real, munição de que os militares espanhóis em patrulha não dispõem. Na fronteira marroquina, onde foram recolhidos os outros cadáveres, uma fonte oficial disse que os ferimentos mortais foram causados por balas de borracha e negou quaisquer disparos.”
Nas últimas semanas, a tentativa de centenas de africanos para entrar em solo europeu, através das cidades autónomas espanholas de Melilla e Ceuta, resultou em pelo menos 11 mortos. Numa tentativa para travar o fluxo de imigrantes, o governo espanhol prometeu intensificar esforços, nomeadamente com a elevação da vedação nos postos fronteiriços para uma altura de seis metros e com o envio de mais tropas para ajudarem a patrulhar a área. Por seu turno, a Comissão Europeia já disponibilizou 40 milhões de euros ao governo marroquino para reforçar medidas policiais e de protecção de fronteiras.
A ONU manifesta-se perante estes acontecimentos através da elaboração de um relatório onde reconhece o direito “soberano” dos Estados de impedir as entradas não autorizadas, mas alerta para o facto de que uma política “meramente restritiva das migrações ilegais não é desejável nem realizável”, porque pode “comprometer os direitos dos migrantes e dos refugiados”.
A bala que levou Ibrahim a ficar sem olho, foi, segundo o próprio, disparada pela Guardia Cívil espanhola, que o transportou de seguida, para o Hospital de Melilla. Devido à gravidade do ferimento, foi transferido para o Hospital de Málaga. "Ali soube que ia ficar sem olho e como não havia solução", conta, "pagaram-me o bilhete de avião para Melilla e levaram-me para o CETI [Centro de Estancia Temporal de Inmigrantes]".
Várias organizações não governamentais (ONG) têm vindo a criticar a força usada contra os africanos que tentam chegar à Europa através destes dois enclaves. O MSF constata que o aumento do fenómeno migratório tem sido acompanhado por uma escalada de violência empregue nas medidas destinadas ao seu controlo. Esta mesma organização comunicou recentemente a sua consternação, sublinhando que a prática de violência e de tratos degradantes aumenta o sofrimento e marginalização das pessoas que, ao procurarem uma vida melhor, se expõem a condições de subsistência e precariedade extremas, muitas vezes inumanas.
Camarões, Setembro 2000. Ibrahim Bertrand, tem 18 anos de idade, trabalha com um salário mensal de cerca de 150 euros. É a condição de pobreza em que a família vive que o leva a pedir aos pais que o deixem tentar encontrar "uma vida melhor, fora de África”.
Em Outubro 2000, com mais quatro amigos resolvem partir com destino a Melilla. Alugam um táxi que os leva até à Nigéria, e um outro até Níger. Ali chegados e com a Líbia pela frente, tiveram de alugar um jipe "suficientemente forte para atravessarem o deserto". Abasteceram-se, depois, com "40 litros de água, biscoitos e bananas". O dinheiro começava a escassear e por essa razão, conta, "dois dos nossos amigos tiveram medo e resolveram voltar para trás”. Persistentes continuam, mas à medida que avançavam a viagem complica-se. Foram assaltados por "pessoas do deserto", que levaram o pouco dinheiro e mantimentos que tinham e, mais tarde, a falta de água acaba por matar um dos amigos.
Nas últimas semanas, a tentativa de centenas de africanos para entrar em solo europeu, através das cidades autónomas espanholas de Melilla e Ceuta, resultou em pelo menos 11 mortos. Numa tentativa para travar o fluxo de imigrantes, o governo espanhol prometeu intensificar esforços, nomeadamente com a elevação da vedação nos postos fronteiriços para uma altura de seis metros e com o envio de mais tropas para ajudarem a patrulhar a área. Por seu turno, a Comissão Europeia já disponibilizou 40 milhões de euros ao governo marroquino para reforçar medidas policiais e de protecção de fronteiras.
A ONU manifesta-se perante estes acontecimentos através da elaboração de um relatório onde reconhece o direito “soberano” dos Estados de impedir as entradas não autorizadas, mas alerta para o facto de que uma política “meramente restritiva das migrações ilegais não é desejável nem realizável”, porque pode “comprometer os direitos dos migrantes e dos refugiados”.
A bala que levou Ibrahim a ficar sem olho, foi, segundo o próprio, disparada pela Guardia Cívil espanhola, que o transportou de seguida, para o Hospital de Melilla. Devido à gravidade do ferimento, foi transferido para o Hospital de Málaga. "Ali soube que ia ficar sem olho e como não havia solução", conta, "pagaram-me o bilhete de avião para Melilla e levaram-me para o CETI [Centro de Estancia Temporal de Inmigrantes]".
Várias organizações não governamentais (ONG) têm vindo a criticar a força usada contra os africanos que tentam chegar à Europa através destes dois enclaves. O MSF constata que o aumento do fenómeno migratório tem sido acompanhado por uma escalada de violência empregue nas medidas destinadas ao seu controlo. Esta mesma organização comunicou recentemente a sua consternação, sublinhando que a prática de violência e de tratos degradantes aumenta o sofrimento e marginalização das pessoas que, ao procurarem uma vida melhor, se expõem a condições de subsistência e precariedade extremas, muitas vezes inumanas.
Camarões, Setembro 2000. Ibrahim Bertrand, tem 18 anos de idade, trabalha com um salário mensal de cerca de 150 euros. É a condição de pobreza em que a família vive que o leva a pedir aos pais que o deixem tentar encontrar "uma vida melhor, fora de África”.
Em Outubro 2000, com mais quatro amigos resolvem partir com destino a Melilla. Alugam um táxi que os leva até à Nigéria, e um outro até Níger. Ali chegados e com a Líbia pela frente, tiveram de alugar um jipe "suficientemente forte para atravessarem o deserto". Abasteceram-se, depois, com "40 litros de água, biscoitos e bananas". O dinheiro começava a escassear e por essa razão, conta, "dois dos nossos amigos tiveram medo e resolveram voltar para trás”. Persistentes continuam, mas à medida que avançavam a viagem complica-se. Foram assaltados por "pessoas do deserto", que levaram o pouco dinheiro e mantimentos que tinham e, mais tarde, a falta de água acaba por matar um dos amigos.
Já na Líbia, reduzidos a um grupo de dois e sem dinheiro, Ibrahim e Simon, acabam por ficar em Tripoli durante mais de dois anos a transportar carga para navios, sempre que a empresa os chamava. Recebiam cerca de oito euros por um dia de trabalho e juntavam tudo o que podiam para prosseguir viagem. “Morávamos juntos, mas a vida era muito, muito difícil… as condições eram péssimas… trabalhávamos sob um sol escaldante e comida boa só havia para quem tivesse muito dinheiro”.
Quando entre os dois conseguiram juntar 400 euros, alugaram um outro táxi e partiram para a Argélia. Chegam passado um mês a Oran onde se separam. Simon, na altura já com 18 anos, quer tentar a sua sorte no mundo do futebol desta cidade argelina – “o meu sonho é ser um grande jogador", explica. Ibrahim, mesmo depois de dar conta que tinha perdido o seu passaporte segue viagem para o norte de Marrocos, com destino à cidade autónoma espanhola de Melilla.
“Vivo durante a noite, de dia escondo-me”.
Em Nador, cidade vizinha de Melilla, conta que “tentava todas as noites passar a fronteira”. Por sete vezes conseguiu pisar solo espanhol mas a Guardia Cívil acabava por o apanhar entregando-o à polícia marroquina. Uma dessas vezes, conta que a polícia marroquina o deportou para a Nigéria “não tinham dinheiro para me levar até ao meu país", explica. Depois, "por sorte” chegaram à Argélia durante a noite "e eu consegui fugir dos polícias na fronteira". Acrescenta com um humor prático: "é que é difícil ver um preto à noite ".
Do lado de Marrocos, em Saidia encontra mais subsarianos "de várias nacionalidades" e juntos, "sempre durante a noite", frisa, fazem a viagem até Nador pelos seus próprios pés. Sem dinheiro e sem trabalho, Ibrahim diz ter sobrevivido durante os 15 meses que passou naquela cidade e arredores, graças à ajuda dos marroquinos, que numa área dentro de uma mesquita, albergavam alguns africanos a quem davam água e comida.
Resistência, persistência e fé em Deus
Quando entre os dois conseguiram juntar 400 euros, alugaram um outro táxi e partiram para a Argélia. Chegam passado um mês a Oran onde se separam. Simon, na altura já com 18 anos, quer tentar a sua sorte no mundo do futebol desta cidade argelina – “o meu sonho é ser um grande jogador", explica. Ibrahim, mesmo depois de dar conta que tinha perdido o seu passaporte segue viagem para o norte de Marrocos, com destino à cidade autónoma espanhola de Melilla.
“Vivo durante a noite, de dia escondo-me”.
Em Nador, cidade vizinha de Melilla, conta que “tentava todas as noites passar a fronteira”. Por sete vezes conseguiu pisar solo espanhol mas a Guardia Cívil acabava por o apanhar entregando-o à polícia marroquina. Uma dessas vezes, conta que a polícia marroquina o deportou para a Nigéria “não tinham dinheiro para me levar até ao meu país", explica. Depois, "por sorte” chegaram à Argélia durante a noite "e eu consegui fugir dos polícias na fronteira". Acrescenta com um humor prático: "é que é difícil ver um preto à noite ".
Do lado de Marrocos, em Saidia encontra mais subsarianos "de várias nacionalidades" e juntos, "sempre durante a noite", frisa, fazem a viagem até Nador pelos seus próprios pés. Sem dinheiro e sem trabalho, Ibrahim diz ter sobrevivido durante os 15 meses que passou naquela cidade e arredores, graças à ajuda dos marroquinos, que numa área dentro de uma mesquita, albergavam alguns africanos a quem davam água e comida.
Resistência, persistência e fé em Deus
Melilla, Maio 2005. Passaram já oito meses desde o momento em que Ibrahim e mais tarde Simon – que deixou a Argélia passados um meses de lá viver – conseguiram dar o salto de África para a Europa.
Sentam-se à mesa de costas para as montanhas marroquinas Gurugú, para ambos um lar de "más recordações". Em breve o jantar será servido.
"As coisas no CETI estão mal", dizem. "Há muitos, muitos problemas", repetem vezes sem conta. "Os argelinos estão em greve de fome há três dias". Dizem que o que eles querem é o que todos esperam conseguir: um documento passado pela polícia que lhes permite sair de Melilla para a Espanha continental, o chamado Laissé Passer.
Os emigrantes que vivem no CETI de Melilla, se não forem entretanto repatriados ou simplesmente deixados no lado marroquino de Melilla, podem lá ficar meses ou mesmos anos à espera do desejado documento. “Melilla é muito perigosa e por causa do meu problema no olho acham que falo demais”, comenta Ibrahim. Diz que o processo de selecção dos imigrantes a atribuir o Laissé Passer parece-lhe aleatório, mas que "se calhar é mais fácil para os imigrantes que chegam de países com quem a Espanha tem boas relações".
A comida chega entretanto à mesa e fala-se de religião. São os dois cristãos, mas em francês Ibrahim tenta explicar a Simon que os europeus não são tão crentes como os africanos. Simon concorda, mas continua a dizer que a sua existência, o ainda estar vivo após cinco anos de viagem, se deve a Deus. "Quando passei a vedação de Melilla", conta, "estive escondido da polícia num arbusto durante sete dias sem comer, nem beber. A Deus devo a minha sobrevivência e a Deus devo também esta refeição".
O CETI tem regras rígidas e às 10h da noite têm que lá estar. Levo-os de carro. Segundo Ibrahim, todos os imigrantes que chegam ao Centro de Estancia Temporal de Inmigrantes são primeiro entrevistados, depois identificados. "Tiram-nos impressões digitais que são mandadas para todos os países da UE", esclarece que é para a polícia saber quem são, caso provoquem problemas. Explicam-lhes depois as regras do Centro e é-lhes atribuído um cartão de identificação e um quarto que por norma dividem com mais sete pessoas. "Quando saímos", dizem, “temos que fechar tudo num cacifo para não sermos roubados". Mas se há quem saia para o centro de Melilla, numa tentativa de fazerem algum dinheiro com pequenos "trabalhos", outros há que têm “tanto medo que ficam sempre no CETI. Dormem o dia todo”, esclarece Ibrahim.
Durante o dia vêm-se os imigrantes nas ruas principais da cidade a ajudar os condutores de carro a estacionarem ou a saírem de um estacionamento – o trabalho mais comum e a que chamam tira-tira, – lavam carros, levam as compras das pessoas do supermercado até ao carro, ou dos carros para casa, limpam escadas de prédios, carregam móveis em mudanças e outro tipo de pequenas tarefas.
Sentam-se à mesa de costas para as montanhas marroquinas Gurugú, para ambos um lar de "más recordações". Em breve o jantar será servido.
"As coisas no CETI estão mal", dizem. "Há muitos, muitos problemas", repetem vezes sem conta. "Os argelinos estão em greve de fome há três dias". Dizem que o que eles querem é o que todos esperam conseguir: um documento passado pela polícia que lhes permite sair de Melilla para a Espanha continental, o chamado Laissé Passer.
Os emigrantes que vivem no CETI de Melilla, se não forem entretanto repatriados ou simplesmente deixados no lado marroquino de Melilla, podem lá ficar meses ou mesmos anos à espera do desejado documento. “Melilla é muito perigosa e por causa do meu problema no olho acham que falo demais”, comenta Ibrahim. Diz que o processo de selecção dos imigrantes a atribuir o Laissé Passer parece-lhe aleatório, mas que "se calhar é mais fácil para os imigrantes que chegam de países com quem a Espanha tem boas relações".
A comida chega entretanto à mesa e fala-se de religião. São os dois cristãos, mas em francês Ibrahim tenta explicar a Simon que os europeus não são tão crentes como os africanos. Simon concorda, mas continua a dizer que a sua existência, o ainda estar vivo após cinco anos de viagem, se deve a Deus. "Quando passei a vedação de Melilla", conta, "estive escondido da polícia num arbusto durante sete dias sem comer, nem beber. A Deus devo a minha sobrevivência e a Deus devo também esta refeição".
O CETI tem regras rígidas e às 10h da noite têm que lá estar. Levo-os de carro. Segundo Ibrahim, todos os imigrantes que chegam ao Centro de Estancia Temporal de Inmigrantes são primeiro entrevistados, depois identificados. "Tiram-nos impressões digitais que são mandadas para todos os países da UE", esclarece que é para a polícia saber quem são, caso provoquem problemas. Explicam-lhes depois as regras do Centro e é-lhes atribuído um cartão de identificação e um quarto que por norma dividem com mais sete pessoas. "Quando saímos", dizem, “temos que fechar tudo num cacifo para não sermos roubados". Mas se há quem saia para o centro de Melilla, numa tentativa de fazerem algum dinheiro com pequenos "trabalhos", outros há que têm “tanto medo que ficam sempre no CETI. Dormem o dia todo”, esclarece Ibrahim.
Durante o dia vêm-se os imigrantes nas ruas principais da cidade a ajudar os condutores de carro a estacionarem ou a saírem de um estacionamento – o trabalho mais comum e a que chamam tira-tira, – lavam carros, levam as compras das pessoas do supermercado até ao carro, ou dos carros para casa, limpam escadas de prédios, carregam móveis em mudanças e outro tipo de pequenas tarefas.
Mesmo este tipo de “trabalho” que fazem não é fácil. Enfrentam atitudes racistas por parte de marroquinos. Assisto a um episódio mesmo em frente a casa, onde vários imigrantes se encontram no seu tira tira diário. São quase seis da tarde e um marroquino alcoolizado ziguezagueando em direcção a um imigrante grita-lhe em espanhol: “Dá-me o teu dinheiro”. O subsariano tenta ignorá-lo, mas ele aproxima-se cada vez mais falando ainda mais alto: “Isto é Marrocos o que é que fazes aqui?, vai para África”. Não tendo a atenção pretendida começa a afastar-se, mas sempre a gritar: “Vai para o teu país preto que isto é Marrocos".
"Eu tenho vergonha de fazer este trabalho de tira tira", diz Ibrahim. "A maior parte das pessoas nem olha para nós". Conta que "ainda ontem" lhe deram cinco cêntimos, "isso não é dinheiro… os camaronenses são limpos e precisamos de comprar roupa", desabafa.
"Eu tenho vergonha de fazer este trabalho de tira tira", diz Ibrahim. "A maior parte das pessoas nem olha para nós". Conta que "ainda ontem" lhe deram cinco cêntimos, "isso não é dinheiro… os camaronenses são limpos e precisamos de comprar roupa", desabafa.
Em média, conseguem fazer três euros por semana, mas dizem que "se um marroquino lava um carro pagam-lhe quatro, cinco euros, se for um moreno, pagam um euro".
Conta ainda que à noite há marroquinos à espera que os imigrantes façam o seu caminho de volta ao Centro para lhes roubarem as moedas que fizeram durante o dia no tira tira ou outros trabalhos ocasionais, “às vezes ameaçam-nos com navalhas”.
Pergunto a Ibrahim, se depois de todas estas dificuldades pensa em voltar para os Camarões. “Só para visitar a família, não tenho lá trabalho”, diz, acrescentando que o objectivo dele é chegar à “verdadeira Europa”, arranjar trabalho e tirar um curso superior. “Depois quando tiver dinheiro, vou mandar vistos para os meus irmãos para também eles poderem estudar na universidade”.
Todos os meses centenas de africanos arriscam tudo o que têm na esperança de encontrarem um futuro melhor. Todos os anos centenas, talvez milhares, se afogam nos mares do sul da Espanha. Outros morrem de frio, de calor, de sede ou de fome durante a grande viagem para atravessar o deserto do Sara. A costa de Espanha é fortemente vigiada, assim como os enclaves espanhóis de Melilla e Ceuta que contam ainda com cercas duplas de arame farpado que, em princípios de 2006, terão seis metros de altura em todo o seu perímetro. Mesmo assim todas as noites haverá pessoas, suficientemente persistentes a tentar escalar as barreiras. Aliás, e como ficou provado na noite de 2 para 3 de Outubro em Melilla, centenas de imigrantes tentaram de novo saltar a vedação e fizeram-no, desta vez, na parte em que a cerca tem já os seis metros de altura.
Conta ainda que à noite há marroquinos à espera que os imigrantes façam o seu caminho de volta ao Centro para lhes roubarem as moedas que fizeram durante o dia no tira tira ou outros trabalhos ocasionais, “às vezes ameaçam-nos com navalhas”.
Pergunto a Ibrahim, se depois de todas estas dificuldades pensa em voltar para os Camarões. “Só para visitar a família, não tenho lá trabalho”, diz, acrescentando que o objectivo dele é chegar à “verdadeira Europa”, arranjar trabalho e tirar um curso superior. “Depois quando tiver dinheiro, vou mandar vistos para os meus irmãos para também eles poderem estudar na universidade”.

Todos os meses centenas de africanos arriscam tudo o que têm na esperança de encontrarem um futuro melhor. Todos os anos centenas, talvez milhares, se afogam nos mares do sul da Espanha. Outros morrem de frio, de calor, de sede ou de fome durante a grande viagem para atravessar o deserto do Sara. A costa de Espanha é fortemente vigiada, assim como os enclaves espanhóis de Melilla e Ceuta que contam ainda com cercas duplas de arame farpado que, em princípios de 2006, terão seis metros de altura em todo o seu perímetro. Mesmo assim todas as noites haverá pessoas, suficientemente persistentes a tentar escalar as barreiras. Aliás, e como ficou provado na noite de 2 para 3 de Outubro em Melilla, centenas de imigrantes tentaram de novo saltar a vedação e fizeram-no, desta vez, na parte em que a cerca tem já os seis metros de altura.
À semelhança de países europeus que tiveram colónias em África, também Portugal – que através da expedição a Ceuta, conquistada por D. Henrique, tornou-se o primeiro país europeu em Africa – esqueceu a responsabilidade histórica para com “estes irmãos africanos”, adoptando uma atitude passiva perante tais acontecimentos. Diversas organizações de Direitos Humanos acusam a União Europeia de ferir convenções internacionais. “ A Europa fechou completamente a porta à imigração e contrata com os governos que não respeitam os direitos humanos o papel de polícia”, acusa Miguel Portas que integrou o grupo de eurodeputados do Grupo Parlamentar de Esquerda Unitária que se deslocou a Melilla para analisar a situação dos imigrantes ilegais e visitar campos de refugiados.
O relatório elaborado pela ONU alerta ainda para o “papel dos migrantes na luta contra a pobreza”, referindo que as transferências de fundos para países pobres ultrapassa os 150 mil dólares por ano. Isto é, três vezes mais o montante da ajuda oficial ao desenvolvimento.
Isabel Abreu